Barrica confeccionada em jequitibá-rosa (à esquerda na foto) é utilizada em alguns dos rótulos da vinícola. Ao fundo, os barris de carvalho francês e americano. Foto: Rodi Goulart Carvalho francês, americano e do leste europeu. Quando o assunto é vinho, essas são as madeiras mais utilizadas na elaboração desta bebida milenar, que conquista cada vez mais o paladar de apreciadores. O enólogo Giovanni Ferrari, porém, encontrou nas madeiras brasileiras e exóticas a inspiração para tornar a Vinícola Arte Viva um projeto singular.
Considerada a maior árvore nativa do Brasil, podendo atingir até 50 metros de altura e um tronco com diâmetro de até sete metros, o jequitibá-rosa é um dos elementos responsáveis pelo sucesso do Juju. Esse rosé, de coloração cereja com reflexos acobreados e bastante gastronômico, é elaborado com as variedades Marselan (70%), Chardonnay (10%) e Riesling (20%), no qual o corte entre uvas brancas passa por carvalho francês e o Marselan rosé estagia no jequitibá-rosa. O tempo em barril depende da safra e do uso da madeira. O primeiro Juju, da safra 2020, permaneceu dois meses no jequitibá.
Já na safra 2021, o Chardonnay/Riesling estagiou seis meses no carvalho francês e o Marselan rosé também permaneceu durante este tempo na barrica de jequitibá-rosa. “O jequitibá aporta aromas doces lembrando traços de anis, açúcar caramelizado e melado, que interagem diretamente com a fruta vermelha da Marselan. A Chardonnay e a Riesling aportam equilíbrio no aroma e na boca”, explica Ferrari.
Além do Juju, outro rótulo cuja parte da elaboração passa por madeira brasileira é o ArteViva Elementar Merlot. O tinto é resultado dos processos de maceração, fermentação e amadurecimento em barricas de carvalho francês, americano e esloveno, além de jequitibá rosa.
As madeiras são oriundas da Tanoaria Mezacasa, referência na fabricação e reforma de barris, situada em Monte Belo do Sul, no Vale dos Vinhedos. No caso do jequitibá-rosa, Giovanni utiliza um recipiente com capacidade de 700 litros para armazenar e amadurecer o líquido que dará origem ao Juju. Em apenas duas safras, o produto já se tornou um dos carros-chefes da vinícola.
Fiel ao propósito de entregar vinhos autorais aproveitando a máxima expressão de cada cultivar e proporcionando a interação entre os terroirs, do Rio Grande do Sul a Arte Viva aposta ainda em outra madeira exótica para compor seu portfólio. O ArteViva Sinônimos Riesling é um varietal 100% Riesling, com três meses em contato com madeira de acácia. Da mesma forma que o Juju, os aromas do Riesling e da acácia se correlacionam, lembrando a complexidade aromática da flor da acácia.
Embora sua origem seja australiana, a madeira é muito utilizada no Brasil para reflorestamento. “A madeira equilibra o aspecto olfativo do Riesling, diminuindo sua intensidade floral, o que permite que os aromas frutados e minerais apareçam, aumentando a paleta aromática. Além disso, contribui com um toque de castanha-do-pará. Em boca, ganha-se volume e estrutura, evitando a queda brusca geralmente encontrada no Riesling. Resumindo, ela deixa o vinho completo, respeitando a sua tipicidade”, avalia Ferrari.
Riesling tem amadurecimento em
recipiente de acácia. Foto: Rafael Bauer
Juju Rosé tem estágio em barrica de jequitibá-rosa. Foto: Rafael Bauer
Brasilidade na taça
O enólogo descreve a opção pelo uso de madeiras que vão além do carvalho como uma missão de fomentar a caracterização dos rótulos nacionais, conferindo a eles brasilidade. Além disso, as madeiras brasileiras trazem exoticidade aos produtos e contribuem para ampliação do leque aromático. “Atualmente, o trabalho realizado para incorporar a madeira brasileira aos vinhos é semelhante ao tratamento feito com o carvalho no que se refere a curtimento e tostagem. A pesquisa e o trabalho desenvolvido pela Tanoaria Mezacasa também contribuíram para o êxito do uso dessas madeira brasileira nos vinhos, originando produtos com fineza aromática. Assim, contribuímos para uma futura consolidação de sua utilização”, salienta.
Como a madeira atua no processo de elaboração de vinhos e espumantes?
Giovanni Ferrari: A madeira é uma ferramenta muito importante na elaboração de vinhos, principalmente os de alta gama. Além de transferir para o vinho compostos elágicos e aromáticos, ela dosa a quantidade de oxigênio através dos poros para polimerizar taninos e antocianos, aumentando a longevidade dos vinhos. A madeira talvez seja a maior ferramenta tecnológica do enólogo.
Quando a passagem por barrica é indicada?
A passagem por barricas é indicada para vinhos provenientes de uvas que obtiveram uma maturação fenólica/enológica excelente. Logo, vinhos que possuem extrato e concentração suficientes para interagir com os compostos da barrica.
Um vinho com passagem por madeira é melhor do que um que não passa?
Existem vários perfis de vinho nos quais observamos que a presença da madeira acaba prejudicando, por não estar integrada com o produto em si. Por outro lado, há vinhos sem madeira que poderiam se beneficiar do uso, no que diz respeito à longevidade e à complexidade aromática. Sendo assim, não podemos comparar um vinho sem madeira a um vinho com madeira.
O que cada tipo de carvalho aporta ao vinho?
O francês aporta volume e fineza aromática. O americano aporta doçura aromática e o aspecto aveludado na primeira percepção gustativa. Já o esloveno preserva a fruta, contribui com especiarias na parte aromática e na parte gustativa e amplia final de boca.
Em que situações é indicado o uso de barricas de primeiro, segundo ou terceiro uso?
Do ponto de vista técnico, varia em função da estrutura de polifenóis do vinho e delicadeza aromática. Ou seja, muita estrutura, barrica nova; pouca estrutura, barrica com mais usos. Em vinhos com aroma delicado, a barrica de primeiro uso acaba se sobressaindo e, assim, não há a integração perfeita. Porém, há vinícolas que adotam o uso da barrica como padrão identidade para seus vinhos.
Como definir a tostagem da madeira?
Geralmente, para os vinhos brasileiro, usa-se tostagem média, em detrimento das características aromáticas e de estrutura dos vinhos. Porém, há cultivares que comportam o uso de uma barrica de tostagem alta, como por exemplo a Ancelotta. As barricas de tostagem baixa geralmente são utilizadas em brancos e rosés.
Sobre a Arte Viva A Vinícola Arte Viva (www.vinicolaarteviva.com.br) é especializada em vinhos e espumantes premium e super premium na Serra Gaúcha, com a missão de elaborar produtos autorais com expressão da essência, proporcionando sensações únicas. Alicerçado em valores como integridade, responsabilidade, criatividade e sustentabilidade, o projeto do enólogo bento-gonçalvense Giovanni Ferrari tem sua unidade de elaboração na Linha 100 da Leopoldina, no município de Monte Belo do Sul. Atualmente, o volume de produção é de 55 mil garrafas/ano, distribuídas em quatro linhas: Ícone, Elementar, Especiais e Sinônimos. Com formação em Viticultura e Enologia pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRS), Campus Bento Gonçalves, Ferrari iniciou sua trajetória profissional em 2009, quando conheceu os vinhos finos de alta gama. Com passagens por vinícolas de pequeno, médio e grande porte no Brasil, também realizou estágios no Douro (Portugal) e em Epernay (França).
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